quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

A notícia como espetáculo

E mais uma vez a imprensa repete o fato que alguns estudiosos costumam chamar de “Espetacularização da Notícia”.

A bola da vez é o julgamento do Caso Eloá. Para quem não se lembra, refere-se ao seqüestro e morte da estudante Eloá Pimentel, promovido pelo seu ex-namorado Lindemberg Alves, ocorrido na cidade de Santo André, estado de São Paulo.

Vale relembrar outro caso que tomou as mesmas proporções, que foi o da menina Isabela, jogada pelos pais de uma janela no quarto andar de um apartamento na cidade de São Paulo. Gerou uma imensa comoção em todo o Brasil e a imprensa a exemplo do que está acontecendo agora, noticiou por vários dias quase que exclusivamente o fato.

Tudo bem, concordamos que criminosos devem ser investigados, presos, julgados e condenados. Porém, a vida continua e outros fatos de maior relevância para a vida da população precisa ser também noticiado e informado, sem que se coloque os índices de audiência acima ou em detrimento do direito de informação dos leitores e telespectadores.

Assista abaixo, vídeos relacionados ao fato em questão e em seguida leia matéria publicada pelo Jornal da Unicamp, assinada por João Maurício da Rosa, para reflexão sobre a exploração sensacionalista da notícia.





Sensacionalismo gera mais audiência, mas também mais violência

João Maurício da Rosa

O veículo de comunicação é o responsável e o jornalista co-autor das violações e discriminações que se perpetram contra acusados de práticas anti-sociais. A imprensa, particularmente a TV, atua com um olho na câmera e outro no monitor que expressa o índice de audiência. A exploração de notícias sensacionalistas em geral resulta em audiência, mas também pode gerar mais violência.

A crítica é do jornalista Heródoto Barbeiro, âncora do Jornal da CBN, um noticiário matutino da rádio de mesmo nome e do Jornal da Cultura, programa noturno da TV Cultura de São Paulo, emissora estatal paulista. Ele lembra que o efeito da mídia na vida dos seus alvos é devastador, quando divulga notícias falsas em seus equívocos de apuração. Para ilustrar, ele se recorda do clássico “caso da Escola Base”, em São Paulo, onde uma notícia sensacionalista denegriu irremediavelmente a reputação dos responsáveis pela escola, acusados de exploração sexual contra seus alunos.

“Foi uma trama de tais proporções que passou a ser um verdadeiro divisor de águas na imprensa do país. “Fizemos contra os donos da escola uma denúncia construída em cima da investigação de um delegado, que os jornalistas simplesmente aceitaram como verdadeira, sem qualquer confirmação. A transformamos em reportagem caluniosa e usurpadora dos direitos humanos”. Mais tarde a própria TV Cultura iria apurar os fatos, desmentir as investigações oficiais e corrigir o erro.

Barbeiro lembra que mais tarde toda a mídia repetiria o erro, desta vez no episódio que ficou conhecido como “crime do Bar Bodega”. “A polícia prendeu três rapazes e mostrou-os à imprensa. O caso ganhou destaque e, uma semana depois, um promotor veio a público dizer que tudo era uma farsa e que os rapazes confessaram mediante tortura”.

Jornais mais sensacionalistas, segundo Barbeiro, costumam chamar suspeitos de ladrões ou assassinos, como se já tivessem sido julgados. “Este é o receituário do jornalismo que exacerba emoções e transforma alguns jornalistas em policiais, juízes e, às vezes, executores da sentença”.

A mídia eletrônica noticiando os fatos no mesmo dia em que ele acontece, e a impressa reproduzindo no dia seguinte com grandes cartazes nas bancas de jornal, completam-se com força para inspirar a indignação da população diante de um crime; e, no imaginário popular, o criminoso tem de pagar severamente, sem conforto. “Tem de ser atirado às masmorras, como aquelas mostradas em rebeliões. Uma cela fétida com um monte de pessoas empilhadas. É um bandido julgado pela mídia e que deve começar a pagar imediatamente. É um estímulo à vingança e não à Justiça. É isto que a mídia incita”, observa.

Heródoto Barbeiro sugere que representantes da sociedade civil e de entidades de defesa dos direitos humanos façam uma marcação cerrada sobre a mídia, para que respeite os limites estabelecidos pelo código de ética. “A imprensa não altera a legislação penal, mas tem forte dose de influência sobre tudo isso. A sua contribuição social não pode parar no sensacionalismo e na espetacularização da notícia”, argumenta o jornalista.

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