terça-feira, 2 de outubro de 2012

Tentando recriar a natureza

Trata-se de um projeto idealizado com toda certeza em alguma mesa de bar e regado a muito whisky, tão grande é a imaginação fértil das pessoas que o conceberam.

Imagine, utilizar uma área de 100 mil hectares na região do Jalapão, estado do Tocantins, para recriar o ambiente dos safáris africanos com animais exóticos importados da África, onde os mesmos ficariam soltos e se alimentariam como se estivessem no seu habitat natural.

É viajar demais na maionese. Só se as pessoas que cuidam dos órgãos ambientais brasileiros pirassem de vez.

Essas pessoas querem recriar em dias, o que a natureza levou milhões de anos para desenvolver.

Como conciliar a fauna brasileira com a fauna africana sem o prejuízo de uma delas, impossível.

Os danos seriam imprevisíveis.

Basta lembrar que a transposição do rio São Francisco, partindo do Tocantins foi barrada em virtude de estudos mostrando os danos ambientais que isso acarretaria a fauna dos dois biomas.

Projeto simplesmente ridículo e lunático.

Abaixo, vídeo divulgado na internet e trecho da matéria publicada no Estadão.





Empreendimento planeja criar um safári africano no meio do Tocantins

Giovana Girardi

Reserva de 100 mil hectares próxima ao Jalapão, com mais de 400 indivíduos de espécies como leões, leopardos, elefantes e búfalos, vivendo como nas savanas da África, custaria R$ 350 milhões

"Brasil e África se juntam depois de milhares de anos que uma fissura nas placas tectônicas transformou o que hoje são dois continentes com características tão semelhantes. Agora já podemos sentir o coração de África no Tocantins." A frase - transcrita literalmente de um vídeo promocional que está circulando na internet - apresenta o projeto de um novo safári tipicamente africano. Só que no meio do Tocantins.

Os empreendedores partem do princípio de que, como no passado Brasil e África foram unidos em um continente só e hoje ambos têm vegetações semelhantes (savana e cerrado), seria possível recriar por aqui o ambiente africano com um investimento de R$ 350 milhões.

O plano foi apelidado de Out of Africa Brasil. Encabeçado pelo ex-secretário de Saúde do Tocantins, Nicolau Esteves, prevê a criação de uma reserva de 100 mil hectares para a acomodação de mais de 400 animais de 17 espécies, como elefantes, leões, leopardos, búfalos, rinocerontes (brancos e pretos), zebras, hienas, kudus e impalas. Predadores e presas vivendo em uma área cercada, sem interferência humana - nem mesmo alimentação. "Vai ser a cadeia natural mesmo", diz o médico mineiro. A ideia é que três hotéis se instalem nas proximidades e ofereçam passeios para ver os animais de perto.

Mas, segundo o Estado apurou, as quantidades sugeridas de cada espécie a ser importada não parecem seguir nenhum estudo que aponte a proporção adequada entre predador e presa. Até o momento foi feita uma consulta ao Ibama de Tocantins, mas não foi enviado um projeto técnico. Agora a sede do órgão em Brasília também analisa a solicitação.

É preciso avaliar, entre outras coisas, se não há risco para a fauna nativa, de extinção das espécies a serem importadas, se há garantia da origem legal desses animais. "É um pedido atípico e de proporções muito grandes. É delicado do ponto de vista da manutenção desses animais, da estrutura, do risco de fuga, dos acidentes que podem acontecer. Estamos vendo com muita parcimônia e sendo bastante reticentes", diz a analista Taciana Sherlock, da coordenação de fauna do Ibama.

Sobre a ideia de que os animais tenham de caçar seu próprio alimento, Taciana foi um pouco mais descrente. "Como podemos liberar a importação de animais para trazê-los para cá para serem abatidos?" Por ser um modelo inédito no Brasil - e talvez no mundo -, o órgão avalia como ele deve ser analisado. Ele não se encaixa em nenhuma categoria prevista de manutenção de fauna em cativeiro. Em geral, empreendimentos que trabalham com exóticos são enquadrados na lei de zoológicos, mas a situação não é bem essa.

Pelo porte do projeto, é de se questionar se não é um caso de introdução de animais exóticos, o que é proibido. A situação fica mais complicada se houver mistura desses animais com a fauna local, como sugerem Esteves e o vídeo na internet. "Uma centena de espécies de animais nativos e africanos silvestres", diz o material em um momento. Em outro, menciona que o projeto tem "característica de preservação ambiental da fauna brasileira e exótica". Nesse cenário, Taciana endurece: "Se tiver isso, vai ser imediatamente vetado”.

Mas o empreendimento tem despertado interesse. Segundo um arquivo apresentado na consulta que lista todas as espécies a serem importadas, o projeto conta com patrocínio de empresas como Toyota, Shell, Mobil, Engen e Total. Ambientalistas que acompanham o processo mencionaram um suposto aval do governo do Tocantins pelo potencial financeiro do empreendimento.

O presidente do órgão ambiental do Estado, o Instituto Natureza do Tocantins (Naturatins), Alexandre Tadeu, diz que por enquanto não tem como se dizer a favor ou contra. "Até agora, a única demanda que recebemos foi para criar um termo de referência para orientar os futuros estudos ambientais", diz. Segundo ele, isso deve ser entregue nos próximos dez dias. "É complexo, mas não podemos dizer nada sem ter embasamento."

Pesquisadores também questionam o porquê de um projeto com essas características se o intuito seria conservar a natureza. "Não tem necessidade de trazer animais de fora quando a fauna daqui é tão interessante", diz o biólogo Peter Crawshaw Junior, um dos maiores especialistas em onça-pintada do País. "No mínimo a ideia é de um profundo mau gosto", comenta o ecólogo Paulo De Marco Júnior, da Universidade Federal de Goiás. "E quem diz que dá para recriar as savanas africanas aqui com todas as diferenças que ocorreram entre os sistemas dos dois continentes?"

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